quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

DENILSON E EU

Denilson, pedreiro, morador de rua:
a nossa galeria de personagens urbanas
Por Helcio Albano

Hoje Portinari saltou à minha cara. Sim, amigo leitor. É o mesmo Portinari, o Cândido, considerado por muitos o maior artista plástico brasileiro. Aquele que tão bem pintou em tela ou em painéis país afora as contradições e anacronismos brasileiros. Sim, o mesmo Cândido Portinari, supra-sumo da arte moderna e do cubismo-surrealismo tupiniquim.

Eram aproximadamente 14 horas. Voltava da Câmara. Sempre passo na Câmara para filar um café e trocar idéias curtas com alguns amigos que prestam serviço ao Legislativo dessa freguesia de São Gonçalo.

Fui em direção ao lance de escada que dá para o estacionamento dos edis gonçalenses à frente de uma piscina que deveria harmonizar com um jardim inexistente do largo lateral da prefeitura. Queria fumar um cigarro à sombrinha de uma árvore dali.

Ah, leitor! Omiti uma informação importante: estava acompanhado de um amigo que encontrara minutos antes por um desses acasos que se transvestem destino...

Antes de sentar-me, porém, o Portinari: Denilson, o seu nome. Sujeito agitado em meio ao calor de um inverno já derrotado pela primavera. Queixava-se de dor, cria. O gesso no braço também o incomodava decerto.

Os traços brutos daquele homem me lembraram imediatamente o Portinari. Precisava de sua história, portanto, para escrever esse post pra você. Essa minha cabeça tonta precisava de um endosso, este veio do amigo: “Sim Phill, é o Portinari! Temos um Portinari à nossa frente” - avalizou. (nota: algumas pessoas me conhecem pela carinhosa alcunha de Phill. Coisa de minha mãe. O estrangeirismo fica por conta do Tavinho do Blues Etílicos, mas isso é uma outra história....)

Puxei logo assunto a ver nele o Brasil. Denilson Pianchi de Moura é o seu nome de batismo. Soletra com desenvoltura o Pianchi. “Alguns falam ‘xi’ outros ‘qui’”, argumentou. Pensou oferecer identidade e atestar existência. Mas o desdobramento imediato da conversa nos levou a uma pequena tragédia do nosso amigo: foi atropelado na 18 do Forte. Levaram tudo que tinha. LEVARAM TUDO QUE TINHA: uma mochila, identidade e alguns trocados.

Denilson Pianchi de Moura é morador de rua. Disse que há três meses vive de calçada em calçada. Ia dizendo e bebericando a cachaça no copo de Guaravita. “Não tem remédio, só cachaça. Passa a dor”, revela um tanto marotamente esperando de nós compadecimento. Como não houve a reação esperada, contentou-se queimar o cartucho pedinte com um cigarro.

Querendo ser útil e reverter tal desalento, ofereci a Denilson minha porção cidadã orientando-o e fazendo-o saber das alternativas que o Estado dá aos desvalidos. “Só tem maloqueiro! Abrigo só tem maloqueiro e é lá em Vista Alegre”, retruca o escaldado e consciente desalojado. “Logo, logo tiro esse gesso e pego uma obra pra pagar aluguel. O doutor disse que semana que vem já tiro esse gesso”, continuou, em meio a outra golada na branquinha.

Faltava a foto. Não sei quem era mais cínico, se eu ou o Denilson.


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