O triunfo mestiço além do esporte bretão |
Por Rodrigo Santos*
Esqueça tudo o que você sabe sobre esporte. Esqueça inclusive das aulas de biologia onde o professor discorria sobre a permanência do mais capaz. Futebol não é isso. Esqueça o boxe, onde uma junta de notáveis decide o vencedor por pontos. Esqueça a ginástica, onde os competidores são todos deuses, e a vitória se dá por um erro milimétrico do adversário. Vôlei, basquete, natação, nada disso. Futebol não tem nada a ver com seus pares, e por isso mesmo é o mais apaixonante, chegando a ser mais do que uma simples disputa de exibição atlética.
Futebol é o único esporte onde o vira-latas pode ser rei. Você pode jogar melhor durante o jogo todo, e ver cair por terra o triunfo devido a um infortúnio – ou pela fortuna do adversário. Você pode carregar títulos inefáveis, jogadores de alta performance, e ver brilhar à sua frente um desconhecido em noite de gala. Na hora em que o apito inicial se faz ecoar pelo estádio, todas as variáveis pesam na equação, e o resultado final sempre serão as lágrimas – de alegria ou de tristeza, de decepção ou de superação.
Torcer para um time de futebol (ou para o próprio futebol em si) requer a abnegação e a fé dos santos mártires. O torcedor de futebol é mais bravo que o sertanejo euclidiano. Não acredito em gente que “simpatiza” por um clube, ou “acompanha de longe” o futebol. Sangue ralo não pinta grito de gol. Conheço gente que mudou de religião umas três vezes, de mulher umas outras quatro, mudou até – pasmem!- de cerveja, mas não mudou de time. Prefiro inclusive o termo “adepto” a torcedor. Acólito. Mesmerizado pelas nuances caprichosas de um pequeno objeto esférico a rolar sobre a relva, 44 canelas e bicudas e milhões de fiéis a babar.
O futebol santifica. Transforma meninos em guerreiros e guerreiros em fiasco. Quantos Bujicas e Cocadas não nos mostraram isso? O futebol pinta aquarelas em ouro, e pirografa na alma momentos que nunca se apagarão. Extrai lágrimas grossas das vistas mais endurecidas, e atiça até pacifistas monásticos a combate corporal.
Esqueça tudo o que você sabe sobre o esporte, nada vale aqui. Futebol é o mais perfeito simulacro da utopia da vida, maior até mesmo que a literatura que tenta lhe significar. É a bola, é a rede, é o grito e a alma lavada. E a esperança da coroa sobre a fronte do operário. É tudo isso, e nada disso se parece com esporte.
*Rodrigo Santos é pai do Miguel, marido de Maria Isabel, flamenguista, escritor, professor, corredor de rua e zagueiro do Pindorama F.C., a Seleção Brasileira de Escritores.
Adorei!
ResponderExcluir" Das coisas menos importantes da vida, a mais importante é o futebol". Frase já vulgarizada quando se trata do (outrora) nobre esporte bretão. Entretanto, mesmo sendo usada por décadas ela não pode ser alijada de sua premissa fundamental: O FUTEBOL É MAIS DO QUE UM ESPORTE. É claro que, alguns mais atentos me lembrarão que o futebol é esporte sim, que é profissionalizado e seus atletas merecem a consideração e o respeito que praticantes de outras modalidades supostamente inspiram mais ( penso aqui na sisudez de um jockey, um golfista ou um praticante de polo). Não, senhores., não se trata aqui do futebol dos dirigentes merecedores de uma boa temporada no aljube, dos patrocínios que conspurcam uniformes e pavilhões dos times e jogadores que sonham em se tornar versões carnavalizadas de Luis XIV ou D.João V mas do futebol em que, como pontuou magistralmente Rodrigo Santos, "44 canelas ficam mesmerizadas a babar por uma esfera a correr sobre a grama". Esse é o futebol do torcedor, aquele que "torce" as mãos, se contorce diante dos dissabores da derrota e do gozo da vitória. Sim, Rodrigo Santos, não há "sangue ralo" que possa dar vida ao futebol pois ele transcende a existência. É possível viver a sombra dos confrontos, observar a batalha cotidiana sem tomar partido, sem polir a armadura e desembainhar a espada. Em tempos funestos é até recomendável viver como a hiena, sempre rindo a se nutrir dos restos. Mas o sangue continuará ralo, de uma opacidade que não deixará rastro mesmo que vertido em profusão. Hienas ocupam lugar em brasões, escudos, são homenageadas pela Heráldica? Suponho que não... Amar o futebol é escolher, tomar parte, se emocionar com o pelotaço de um Cocada, com o toque de um Bujica ou um dardejar de um Gabiru. Que outro esporte nobilitaria, tornando reis ( por alguns momentos, ao menos) homens acostumados, quando muito, a libré de lacaios? O uniforme do time é uma túnica que concentra em si a remissão de todos os pecados, que fornece o entendimento para a cosmogonia de nossa época. O resto é perfumaria.
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