Policiais participam do seminário “Drogas: Legalização + Controle”, no Rio de Janeiro | Foto: LEAP Brasil |
JORNAL DAKI: TENDÊNCIAS & DEBATES
No Brasil, 167 policiais fazem parte da LEAP, associação dos agentes da lei contra a proibição. Eles conhecem de perto a “guerra às drogas” e dizem que a proibição, além de ineficiente, só serve para criminalizar os mais pobres
De Ponte.org
Por Luis Sansão
“Sou coronel inativo na Polícia Militar, onde trabalhei por 33 anos, fui chefe do Estado-Maior Geral da PM e comandei batalhão, sempre com aquela ideia de que nós precisávamos combater os traficantes e, principalmente, os usuários. Percebi que o trabalho que nós fazíamos era como enxugar gelo. E eu pergunto: para quê? Por que tanta gente morta? Qual é a finalidade disso?”, conta o coronel reformado da PM Jorge da Silva.
Em busca de respostas, o coronel resolveu cursar Ciências Sociais “para refletir”. Hoje professor aposentado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Silva tornou-se um dos porta-vozes do ramo brasileiro da Law Enforcement Against Prohibition, associação de agentes da lei contra a proibição das drogas.
“O proibicionismo é um modelo macabro, que produz mortes principalmente de pessoas pobres, que não têm voz e morrem como baratas no Brasil inteiro”, afirmou, em 24/11, durante o seminário “Drogas: Legalização + Controle”, uma iniciativa da Leap Brasil e do Fórum Permanente de Direitos Humanos da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Para Silva, legalizar não significa liberar. “Liberado é como está hoje. Nossa proposta é legalizar sob o controle do Estado, e não do mercado mundial de drogas”, afirma.
A Leap foi criada para dar voz a integrantes ou ex-integrantes da polícia e do sistema penal, que, vivendo na pele a política de guerra às drogas, decidiram “falar claramente sobre a necessidade da legalização e consequente regulamentação da produção, do comércio e consumo de todas as drogas”, explicou o delegado Orlando Zaccone, na abertura do evento.
Segundo Zaccone, a LEAP Brasil possui, hoje, 236 membros, dos quais 167 são policiais, a maioria deles na ativa. A entidade está presente em 21 estados brasileiros e no Distrito Federal, e conta com 1250 apoiadores. “Nós defendemos a legalização de todas as drogas. E sabem por quê? Porque nós somos ‘maus’”, ironizou Zaccone. “E somos ‘maus’ porque os ‘bons’ têm produzido um dos maiores genocídios da História”, completou.
Mãos sujas
“Estou muito cansado de ver policiais morrendo”, afirmou o detetive inspetor Francisco Chao, que atua há 19 anos na Polícia do Rio, com passagem por unidades como a Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) e a Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE). “Eu gostaria muito, antes de me aposentar na polícia, e faltam dez anos, de ver o fim da insanidade dessa guerra, que não interessa à polícia e nem à sociedade.”
Chao, que fez uma participação no filme “Tropa de Elite 2”, contou que a guerra às drogas do mundo real é muito diferente do cinema, e não só porque “sangue cenográfico não fede”, mas principalmente porque a violência e a corrupção apagam as fronteiras entre mocinhos e vilões. “O informante da droga a gente não encontra na igreja. Ele é um informante sujo, e não tem como mexer com sujeira sem sujar as mãos.”
Para o delegado Thiago Luís Martins, que durante três anos atuou na Delegacia de Combate as Drogas (DCOD) do Rio, o modelo proibicionista está na raiz dos abusos cometidos pelas polícias contra os moradores de favelas e periferias, embora o discurso oficial prefira culpar os indivíduos. “Quando a polícia mata um trabalhador, esse discurso parte da ideia de que o problema não é da política de combate às drogas, mas, sim, de um policial bandido que está na corporação, o que não é verdade”, afirmou.
A causa, segundo Martins, está numa segurança pública que opera pela lógica da guerra. O delegado afirma que o estresse dos confrontos é tão grande que há casos de policiais que “surtam” e disparam contra os próprios colegas. “Em tiroteio na favela, ninguém sabe quem atirou em quem”, disse. “A morte de inocentes, o policial que perde a noção na hora do combate e acaba se excedendo, são fenômenos produzidos pela guerra.”
Falando sobre as origens do proibicionismo, Martins disse que a separação entre drogas lícitas e ilícitas não se baseou em critérios científicos, e, sim, em preconceitos. O modelo proibicionista adotado pelo mundo nasceu nos Estados Unidos, onde, a partir dos anos 20, o governo passou a proibir substâncias associadas, no imaginário americano, a grupos sociais marginalizados: a maconha, relacionada aos mexicanos, o ópio, aos chineses, e a cocaína aos negros. “O racismo, a discriminação e o preconceito orientam a política antidrogas desde o seu início”, afirmou.
Em outros países
Também participaram do debate, entre outros, a médica Raquel Peyraube, assessora do Instituto de Regulação e Controle da Cannabis, órgão do governo uruguaio responsável pela política de regulação do mercado de maconha do país, e o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, que falou sobre a experiência portuguesa com a descriminalização de todas as drogas.
Na sua fala, Peyraube deu a entender que a liberação da maconha no Uruguai pode ser apenas o começo. “Concordo com a posição da LEAP de que todas as drogas deveriam ser legalizadas, e estamos trabalhando para isso. Mas, culturalmente e politicamente, é muito difícil”, afirmou.
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ACABAR COM A GUERRA
Por Saturnino Braga
O Brasil está em guerra, e é preciso acabar com ela. É realmente um espanto o número de policiais que morrem no confronto. E outro espanto, maior, o número de jovens mortos pela polícia. Falo dos números do Rio de Janeiro mas a guerra do tráfico está em todo o País, e é insustentável. Faz cinqüenta anos que adotamos a política de criminalização e repressão às drogas e o resultado positivo é nenhum, contra este monstruoso efeito negativo que devasta a vida da nossa juventude, civil e policial.
Além da devastação de vidas há a deterioração moral da sociedade, com a hipocrisia de uma elite que paga pelas drogas e mantém cada vez mais atrativo o mercado, enquanto. de outro lado, apóia a política de guerra que promove a matança da juventude pobre, engajada no alto risco em busca do nível de consumo daqueles pagantes.
Há que mudar esta política!
Siro Darlan, destacado e respeitado desembargador do Tribunal do Rio, observador e estudioso desta questão, propôs, num seminário recente organizado pela Sociedade AMAR, a legalização regulamentada do uso e do comércio de drogas. E argumentou com o contraste entre os resultados deletérios da nossa política de criminalização e os efeitos muito animadores obtidos por Portugal, que há dez anos adotou a legalização bem regulamentada. O mesmo caminho seguido recentemente pelo nosso civilizado vizinho Uruguai.
Eu, pessoalmente, estou bem convencido da tese, que não é nova nem extravagante, mas parece revolucionária diante da imobilidade conservadora que só encontra soluções na reação armada. É preciso dialogar mais enfaticamente, sacudir e convencer a maioria envenenada pelo noticiário sensacionalista que incita à guerra. Padre Agnaldo, outro estudioso do tema que moderava o debate do Seminário, sentenciou religioso ao final: aceitamos que se deve com urgência aprofundar este debate! O com urgência teve ênfase.
Bem, no mesmo seminário da AMAR havia um outro debatedor ainda mais polêmico: o relevante deputado Marcelo Freixo. A AMAR cuida, com carinho acolhedor, de meninos que vivem na rua, com o intuito de lhes dar uma formação digna e feliz. Muitos, entretanto, acabam cometendo delitos e são recolhidos a um desses lamentáveis depósitos de menores infratores, que concluem a pior formação possível sobre esses meninos.
Propõe então Marcelo Freixo: que se anistiem esses menores infratores, sob a condição de que freqüentem a escola até terminarem o segundo grau. Olhem que proposta mais ousada e interessante. Para debate, obviamente; para um debate sério com a população e com as autoridades que têm a responsabilidade do trato com esses menores.
Tenho forte tendência a aceitar também essa idéia mas gostaria de ouvir essas autoridades. Acho que teria de ser uma escola especial, esta que o deputado propõe, algo como tivemos aqui no Rio, a Escola Tia Ciata, especial para meninos de rua, uma das experiências mais promissoras do Rio, liderada por Lígia Costa Leite e extinta por visão retrógrada.
Enfim, a Democracia é o debate que escuta com seriedade todas as partes, e o Brasil pode e deve seguir na vanguarda desta renovação democrática que avança no mundo.
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