domingo, 4 de janeiro de 2015

FABIANO BARRETO POR ELE MESMO

O tanque e ele, Fabiano Barreto

Em nossas pesquisas nas redes sociais para encontrar o cara que abalou as estruturas da mesmice gonçalense com a sua intervenção rosa num tanque de guerra de uma praça esquecida na periferia de uma grande e sofrida cidade, eis que encontramos ele, Fabiano Barreto.

Fabiano Barreto usou a rede social diaspora*, fundada por  Ilya Zhitomirskiy (morto em 2011), que pretende ser uma rede antítese do Facebook além de open-source e tem como objetivo colocar as pessoas no controle de suas próprias informações disponibilizadas por elas na rede social (fonte: wikipedia). Sintomático, não? Foi por ela que emitiu as suas razões ao público.

Nada mais coerente, como vocês podem ler abaixo. Senhoras e senhores, o interventor rosa por ele mesmo num texto disponibilizado em seu perfil no diaspora*:

Considerações sobre o ato de pintura do tanque de guerra da Praça dos Ex-combatentes neste 1º de janeiro

Por Fabiano Barreto

Quanto às motivações, insisto, o comportamento impermeável da administração pública de São Gonçalo não nos deixa saída: ou nos mobilizamos comunitariamente em torno das nossas demandas (e não são poucas) ou não haverá esperança de se desenvolver na cidade uma expectativa real de plena cidadania e bem estar. Portanto, torna-se indispensável reconhecer o valor do território como ponto de partida para qualquer iniciativa de fôlego, o que lamentavelmente não é o caso.

Os serviços públicos são sofríveis, com destaque para o básico: saúde e educação. Na oferta de transportes coletivos, a conta é simples: poderíamos dispor de 4 modais (rodoviário, ferroviário, aquaviário e aéreo – sim, poderíamos ter um aeroporto na cidade) mas temos a nosso serviço apenas a opção de derreter nos engarrafamentos, dentro de ônibus de tarifa alta e qualidade baixa. Ainda assim, a população é apática. Muito disso, penso eu, se deve aos preconceitos historicamente sedimentados que recaem sobre ambos (território e população), causando desconforto e degradando, em última instância, os laços de territorialidade. Tal estado de coisas desfavorece sintomaticamente a organização de manifestações de rua. Neste cenário, passeatas com adesão de grande público - como as que tomaram as ruas da cidade, a reboque da onda que varreu o país em 2013, na luta contra o aumento das tarifas de transportes coletivos – figuram como uma verdadeira e desconcertante exceção. Há que se ter alternativas. Por isso apelei à força de representações simbólicas.

A intervenção de pintura do tanque foi o meio encontrado para abrir um debate inadiável sobre nossa identidade territorial (a falta dela, ou sua precariedade). É evidência de que há política para além de eleições, que a desobediência civil é prática social que objetiva incrementar a cidadania e que a arte continua sendo um poderoso instrumento de ação política. A praça, o tanque, foram apenas o ponto de partida para estimular a discussão; o que está em jogo vai muito além disso. Se não for absurdo fazê-lo, reduzo todas essas considerações a uma pergunta: Que relação você (população) tem com a cidade? É a forma de desfraldar um processo, resultados hão de ser colhidos adiante.

Sobre a abordagem policial, desejo que todo e qualquer indivíduo detido no Brasil receba o tratamento digno que recebi de todos os agentes policiais envolvidos na ocorrência, tanto militares como civis. Isto reafirmou minha convicção de que o debate sobre segurança pública e direitos humanos no país não está condenado a habitar as profundezas do abismo em que foi lançado pelo Estado. É possível avançar. A celebração da vida pede passagem!

Os players corporativos do mercado jornalístico cumpriram seu papel ordinário, em todos os sentidos: Deram visibilidade ao caso, entretanto, à custa da tentativa de despolitizá-lo. Em geral, as reportagens se subdividiram em 3 linhas editoriais: a do franco repúdio, tratando a causa como mera depredação e delinquência; outra, empenhada em explorar as manifestações jocosas; a terceira se ocupou de encaminhar diligentemente os fatos para as páginas policiais. Uma vez mais, é a confirmação de que este setor da mídia não abre mão de conduzir a pedagogia política brasileira. Toda e qualquer proposta de envolvimento político que ponha em risco seu predomínio ideológico torna-se rapidamente alvo de campanhas desconstrutivas. É o PMDB midiático, são os donos da bola.

A reação da administração pública ao ocorrido é grave. Numa das poucas declarações emitidas em nome da prefeitura, a presidente da Fundação de Parques e Jardins, Luciana Abreu, foi reveladora: Afirmou que solicitaria presença policial na praça, a fim de evitar a ação de pichadores, etc. A executiva evidencia, com esta declaração, a recusa da administração pública em dialogar com a comunidade - em busca de soluções de lazer que valorizem efetivamente as expectativas e opiniões dos moradores, sobretudo a juventude local – e a convocação da polícia a subverter suas atribuições, convertendo-se em prestadora de serviço social. Isto é, se demandas sociais são levantadas pela sociedade, polícia nela! Tudo em nome do princípio ‘democrático’ de que o cidadão tem o direito supremo de se manter calado.

Mais uma vez, 1º de janeiro não foi apenas a data de uma festa vulgar, mas o marco de um momento inquietador “abaixo e à esquerda”. Levamos a quem quer que seja – eu e todos aqueles que me ofereceram o calor e a grandeza de seus corações – o nosso brinde por um 2015 que há de ser tudo, menos morno, sombrio, monótono, pois já no primeiro dia parece que corremos o percurso de meses. Salve, salve, salve! “[A arte] ainda é o dedo na ferida!”

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